Noitário de Exploração da
Ilha do Parthenon Místico

Noitário de Exploração da
Ilha do Parthenon Místico

Por Isaías Caminha

Porto Alegre dos Amantes, 12 de Janeiro de 1912.

Passados os insólitos eventos que vivi — que, não sem espanto, relatei em capítulos dispersos no manuscrito folhetinesco publicado como “Lição de Anatomia” — e depois de mergulhar nos arcanos delineados em pena e paixão por Sergio Pompeu no misterioso volume intitulado “Parthenon Místico”, julguei oportuno, quase como um dever de consciência ferida, descrever com insuspeito rigor minha travessia pela Ilha do Desencanto, esse enclave secreto onde uma sociedade de sombras se estabeleceu à revelia do mundo e das eras.

Aos que me leem, convido ao passeio por tais paisagens, ciente de que as vias deste arquipélago de sonho e pesadelo persistem fechadas aos meros curiosos, abrindo seu acesso apenas aos que, por vocação ou sina, se voltaram à investigação dos velados mistérios.

Devidamente avisados, comecemos a ventura.

Ao descer da estranha carruagem aquática que, por capricho da sorte ou do fado, me trouxe à ilha em minha primeira noite, dei de frente com duas torres severas, erigidas em pedra bruta, ligadas entre si por uma passarela, compondo uma solene entrada de aspecto medieval, sob a qual se estendia um pétreo caminho desgastado pelo tempo.

Uma das torres ostentava, em sua parede coberta de musgo, uma placa de latão, cuja inscrição se via há muito subtraída à leitura dos mortais, até que, num raro gesto de iniciativa, aproximei-me para divisar, entre as manchas e relvas que a cobriam, a palavra MALKUTH.

Ao redor do pórtico, uma profusão de árvores encerrava a cena em uma moldura de matagal, emprestando aos dois torreões uma aura de onírica antiguidade que servia de prenúncio aos habitantes da enseada, como se todos dividissem a mesma nostalgia vegetal.

Ao penetrar o recôndito da ilha, meus olhos fitaram uma estufa de desgastada ossatura férrea. Tal estrutura abrigava, sob seu ventre de vidro embaçado uma caótica & abundante vegetação que mais se assemelhava a um sonho desgovernado da própria natureza.

Por toda a extensão da estufa, vasavam vasos entulhados de flores exóticas, criaturas vegetais que desafiavam a passividade que associamos às plantas, insinuando um protesto silencioso contra a ordem estabelecida. No alto, as janelas desabridas permitiam a fuga insolente de folhagens revoltas, que escapavam de seu interior como verdes serpentes, enquanto, por sobre o solo, canteiros multicores se alinhavam, compondo uma cena onde a disciplina do homem e a rebeldia do cosmos vegetal travavam uma silenciosa batalha.

No passado sob os atentos cuidados do procurado Antoine Louison, agora a estufa se entrega ao prodigioso natural, num crescimento descontrolado e libidinoso que vai momento a momento afrontando de sua prisão metálica.

Foi então que meus olhos errantes miraram uma capela cuja fachada de pedra ostentava, quase como quem exibe feridas e glórias de outrora, a escultura de um anjo de um lado e, do outro, de um demônio — sentinelas de um frontão ladeado ora por gárgulas ora por feras ferozes, todos a vigiar os cantos superiores, enquanto, logo abaixo do anjo, línguas de fogo em pedra desafiavam o frescor das nuvens, essas esculpidas ao redor do demônio.

A porta alta e dupla, sustentada por batentes que imitavam o perfil enfurecido de um leão, guardava o acesso ao santuário, coroado mais acima por uma cruz em ferro dourado, delicadamente ornamentada, a reluzir na luz mortiça da tarde. Era uma construção de pedra, de linhas quebradas e imprevisíveis, a exibir, num de seus lados, uma pequena torre ou talvez um anexo, enquanto das árvores circundantes irrompia, adiante, a suspeita visão de lápides que denunciavam um cemitério recatado, quase secreto.

Ali, naquele raro espaço de santidade e horror, o profano e o sagrado pareciam se autocontemplar, não como rivais, mas como antigos amantes. Creio que esse lugar seja visitado por todos os moradores da ilha, mas fui informado que o sorumbático Solfieri de Azevedo faz dessa capela uma de seus antros favoritos de habitação e maledicência.

Seguindo a trilha de pedras desgastadas, me deparei com a torre que assinalava o limite meridional da ilha, erguendo-se em silencioso contraste com as pontas agudas que compõem a flecha de sua geografia peculiar. Tratava-se de obra solitária, à qual se atribuiu, não sem razão poética, a função de observatório, oferecendo ao visitante o privilégio de abarcar, com um só olhar, toda a extensão da ilha e os pontos capitais de seu curioso território.

Para aspirar os ares do alto da torre, é preciso vencer uma porta maciça de madeira, que cede passagem à escadaria interna — rito inicial para quem busca elevar-se até o céu daquele pequeno mundo insular. Julgo conveniente, e até imperioso, destacar o termo “crepuscular” que, generosamente, os criadores dessa cartografia onírica conferiram ao prédio, pois dali se alcança todo o mistério do Guayba, com suas águas escuras e ilhotas pantanosas.

A torre, por sua vez, ostentava um janelão, ao qual se recorria ora para contemplar as paisagens mudas, ora para buscar refúgio na leitura de algum tomo proibido, desses que dormem à sombra das estantes das bibliotecas.

Ao abandonar o raio central da ilhota, segui viagem até me deparar, não sem nova perplexidade, com uma construção ao mesmo tempo perfeita em seu descompasso, caótica em sua assimetria e improvisada em seu engenho estrutural. Deixe-me recomeçar: falo de um construto arquitetônico no qual passado, presente e futuro conviviam em inquieta conciliação, entrelaçando-se nos arremedos e engenhocas de todas as eras.

Tinha diante da vista um laboratório de experimentação, cujos torreões, lançando-se atrevidos ao céu, ostentavam antenas, pipas, engrenagens e tantas outras máquinas de tão singular natureza que minha ignorância não lograva decifrar em totalidade. O edifício, híbrido na matéria e no espírito, compunha-se de pedra e madeira, mas também de materiais diversos que irrompiam, quase à revelia, como cartas de um jogo embaralhado às pressas, dando a impressão de que, em cada patamar, predominava uma técnica distinta a testemunhar o engenho de quem ali ousara confrontar o tempo e seus limites.

Sob os cuidados do Doutor Benignus, era ali, dissera-me o velho cientista, que milagres mecânicos, portentos tecnomísticos e fórmulas de milagre e mistério eram engendrados. Tanto o antigo secretário robótico Trolho quanto o autômato usado na fuga de Louison do Asilo São Pedro viram suas vidas maquinais nascerem em seu interior.

Deixando para trás o Laboratório Científico, encontrei-me diante do colossal labirinto cujas muralhas, altaneiras e recobertas de relva úmida, formavam uma espécie de fortaleza viva a desafiar quem ousasse penetrar seus meandros. A entrada do labirinto, marcada por um pórtico grandioso, apresentava um arco de mármore sustentado por um velho de um lado e uma dama do outro, os braços superiores de ambos entrelaçando-se acima, enquanto os inferiores, abertos, convidavam, com solene gentileza, o caminhante a vencer o umbral.

Era uma estrutura grandiosa, toda envolta em heras, trepadeiras e amores perfeitos, com seu relvoso se enredando em torno dos corpos dos dois guardiães pétreos. Soube, também pelo relato supracitado, advinda da pena de Sergio Pompeu, das engrenagens ocultas no âmago do labirinto que ajustavam incessantemente seus caminhos para deliciar ou atormentar os que nele se perdiam, e reparei que as paredes internas, ora de pedra fria, ora cobertas de hera arredia, exibiam uma alternância de vigor ressequido e viço traiçoeiro.

Por fim, deparei-me, incrustada na pedra, com uma placa onde reluzia, como nas Torres Guardiãs, a inscrição “MALKUTH”, o que me conduziu à compreensão de que esses domínios inferiores da ilha não seriam senão múltiplas faces daquele Reino Terreno, evocando a Árvore da Vida da Cabala, só elucidada para mim graças à generosa erudição de Vitória Acauã, a quem devo minha sincera gratidão por iniciar-me nessa assombrosa simbologia.

Após ter explorado a parte sul do arquipélago, que formavam as pontas inferiores da flecha que dá forma e sentido à sua geografia, cheguei ao coração do lugar. Estava, diante da edificação mais intrincada, opulenta e faustosa de toda a ilha: a mansão de colunas esguias e brancas, escolhida pelos integrantes do Parthenon Místico como morada e refúgio.

O casarão erguia-se, desde a metade do século XIX, como herança inaugural de Alfredo Magalhães, o visionário fundador, que fixou, nessa casa, o primeiro alicerce do mundo insular que hoje conhecemos. Abstenho-me, por ora, de narrar pormenores de seu interior — os vastos salões coletivos do térreo, os quartos aconchegantes do andar superior, o sótão-museu do último pavimento ou a inquietante vastidão do porão, onde, emparelhado às garrafas raras da adega, repousa um segredo de proporções para além do humano. E se, por hábito ou inclinação, meu estilo parecer aos leitores demasiado rebuscado: acreditem, essa é a verdade.

Deixemos, pois, essa visita minuciosa para outras páginas e outros instantes — ao visitante, resta, deste lado da narrativa, apenas a visão fugaz do casarão colonial, que une, em sua aparência, traços europeus sóbrios e refinados, uma casa que afrontava o puritanismo quase ascético dos construtos urbanos desses dias.

Diante de mim, as colunas do frontão da casa imensa lançavam-se do gramado verde até as altas janelas do sótão. Diante desse solar, impunha-se ainda o chamado Carvalho dos Sonhos, sob cuja copa, fica a entrada de um reino subterrâneo de túneis labirínticos e cabalísticos — túneis que talvez um dia seja eu mesmo conduzido na via da iniciação. E ao lado da árvore, um coreto clássico dava ao todo um toque final de poesia e nostalgia.

Circundando a Mansão, me vi diante de um jardim de geometria assombrosa, onde o rigor das linhas e a frieza do cálculo pareciam reger cada canteiro, criando um solo ordenado, matemático, quase cerebral, cuja precisão só encontrava paralelo nos criadores desses domínios. Em resposta, meus sentidos foram devassados por variados perfumes, essências naturais e químicas que ora me faziam voltar ao passado, ora reviver os ímpetos de agora.

Logo na entrada, uma placa reluzente exibia, sem véus de musgo ou máscaras de poeira, a inscrição cabalística “THIPHERET” – quinta sefirá da Árvore da Vida. Tal significação escancarava o simbolismo profundo de todo esse lugar, me fazendo então perguntar-me dos outros primeiros sefirotes – YESOD, HOD e NETZACH –, desconfiando que esses se ocultavam no interior dos aposentos da mansão que sediava o Parthenon Místico.

Retomando a contemplação do jardim, consagrado ao deus grego da ordem e da luz, das artes e da razão, contemplei as linhas geométricas, marcadas aqui e ali por flores de múltiplas formas e origens, entremeadas por estátuas dos antigos deuses helênicos a vigiar os retilíneos caminhos. Mas além desse disciplinado terreno, insinuava-se ao longe a silhueta de um matagal alto, caótico, prenúncio de desordem e espontaneidade vegetal, destinado, com sua exuberância selvagem, a contrabalançar a civilização minuciosa do jardim.

Antes de prosseguir ao bosque, porém, entreguei-me ao vaivém errante da intricada topografia da ilha. Fiz isso desviando para a esquerda, em direção às águas do Guaýba, rumo ao oeste, deparando-me com outra torre, cujos mistérios me foram sussurrados em confidência por Beatriz de Almeida e Souza, figura por demais singular que atendia pelo nome de Dante D’Augustine, identidade escolhida para publicar seus escritos no escuro dos salões letrados.

Disse-me Beatriz que essa torre, inspirada nos terrores e delícias da Comédia de Dante, exibia arquitetura nada trivial: nela, os degraus externos conduziam para cima enquanto os degraus internos permitiam ao visitante descer às entranhas mais fundas da ilha, invadindo regiões subterrâneas que desafiavam o senso comum e as leis que regiam, por convenção, o mundo sólido e real. Ali, em profundidades inferiores ao próprio Guaýba, onde razão alguma deveria permitir solidez de chão, poderiam ser contatados anjos, demônios e outros tantos espectros tecidos pelos fios voláteis dos sonhos sensíveis e dos pesadelos profundos.

No âmago da torre, espevitando a imaginação desavisada, haveria ainda, revelou-me Beatriz, um espelho que refletia tanto os mais secretos desejos do visitante quanto aquilo que, no fundo, buscamos sem êxito ou coragem rechaçar. Pergunto-me, então, se tudo aquilo não resultaria apenas dos domínios mentais da autora engenhosa que tivera diante de mim no passado ou então, de uma mente arguta e veraz em todas as suas imaginações.

Prosseguindo minha jornada, encontrei-me entre a altiva Torre dos Mundos Celestes e o Lago Enigmático dos Mistérios. Foi então que me dei de frente com o singular Porto dos Dirigíveis do Ar — uma plataforma quadrangular, erguida em madeira robusta e guarnecida de ferros fundidos a solda de toda espécie, compondo um cenário que parecia pronto a receber tanto os vetustos balões de outrora quanto engenhos de navegação aérea das eras vindouras.

Sob a tutela do destemido Bento Alves, é deste cais insólito que ele e seu fiel Sergio Pompeu costumam iniciar suas audazes explorações pelos domínios aéreos. No entanto, não me fugiu ao olhar a placa cabalística — nela, lia-se com clareza a palavra “GEBURAH”, o que imprimia ao local um tom de rigor e energia, uma força impetuosa digna das altas esferas.

Em torno do lago, porém, a tranquilidade cedia vez ao estranho, ao inquietante e ao insólito, pois dele se insinuavam formas orgânicas, disformes, quase ameaçadoras e horrendas, que perturbavam o sossego do cenário. Em sua margem, não ousei tentar vislumbrar meu reflexo, pois tive medo, não apenas de suas margens movediças e de algum abraço de bestas profundas, como sobretudo do que descobriria de mim mesmo.

Após essa breve contemplação, retomei meu trajeto, decidido a alcançar a outra ponta da ilha, onde a promessa de uma fonte de águas límpidas convidava ao repouso, impondo, por ora, à minha errância mais um capítulo de mistério.

Foi quando cheguei, caros leitores, à enigmática Fonte dos Arcanos, construção de pedras orientais e estatuário exótico, onde convergiam múltiplos jatos de água cristalina a borbulhar, jatos saídos dos lábios de Poseidon e suas Ninfas. Ao redor deles, peixes simbólicos da tradição do nazareno, figura central de tantos mistérios, também se insurgem.

Do lado leste, o Guaýba servia de espelho lateral da fonte, na qual me deparei, gravada em placa, com a inscrição cabalística HESED, cuja presença evoca generosidade e clemência. E minha mente, sempre inclinada à ficção e ao idealismo, já ansiava pelo tempo necessário para revisitar, com outros olhos, esses marcos arquitetônicos visando assim aprofundar-se, com estudo e reflexão, nas raízes judaicas dessa rica simbologia — desejo este apenas possível porque a ilha, em seus ares e atmosferas, inspira seus habitantes ao devaneio da eternidade, ao vagar paciente por tempos feitos de espera e paciência.

Ainda junto à fonte, debrucei-me em busca de uma portinhola de ferro, uma passagem para as profundezas da ilha. Aqui, não posso deixar de recordar que, sob esse mesmo marco, desenrolou-se um dos episódios mais assustadores do folhetim Parthenon Místico, episódio que ainda hoje aperta-me o coração ao evocar o destino sombrio de uma juventude então encarnada em Bento Alves e Vitória Acauã, sina que, felizmente, foi revertida pelo destemor do autor daquele relato, Sergio Pompeu, cuja bravura se inscrevia ali entre águas e as pedras.

Aproveitando a menção a essa entrada para o subterrâneo da ilha, permito-me deitar neste papel algumas conjecturas sobre os túneis ocultos, teses engendradas a partir das páginas extraviadas do relato iniciático de Sergio Pompeu — páginas essas suprimidas do volume oficial de Parthenon Místico e agora acessíveis apenas aos leitores mais diligentes e argutos, hábeis decifradores de enigmas e perseguidores de sutis indícios.

Conforme narra Pompeu, tais túneis estão associados ao DAAT cabalístico, o abismo intermediário, passagem imprecisa para os domínios mais altos da compreensão espiritual. Também é dele a revelação de que a própria tessitura desses corredores sob a terra espelha o mapa da Árvore da Vida, sobrepondo-se aos marcos arquitetônicos da ilha visível.

Não posso senão admirar a ousadia e o fôlego desse projeto, e interrogo-me, não sem certa vertigem, até que ponto se alongam os segredos — ora sagrados, ora sacrílegos — acumulados por esses exploradores nas profundezas argilosas e escuras. Prometo a mim mesmo retornar a esse tema dos túneis quando, ao final desta jornada, aportarmos ao Poço. Por ora, resta-me encarar, junto ao leitor, as sombras e os perigos inomináveis do bosque.

Ao transpor a disciplinada geometria do Jardim Apolíneo, deparei-me com o paredão relvoso e intocado que ostentava o nome do meio-irmão célebre da antiga divindade grega, revelando-se a porta de entrada do Bosque Dionisíaco. Aqui, sob a égide do deus do vinho, do delírio e dos segredos noturnos, somos convidados — ou melhor, assombrados — pelo pesadelo: tratava-se de um ambiente onde flores, ervas, árvores e plantas cresciam indomadas, à margem de qualquer zelo humano, compondo um cenário de intensa selvageria.

No seio desse bosque, esgueiravam-se estátuas corroídas pelo tempo, flores famintas e armadas de espinhos, olhos de fera que vigiavam invisíveis na treva e uma densidade de plantas e árvores tão desordenada quanto ameaçadora ante as quais nos vemos despidos de toda e qualquer roupagem civilizada. O perigo e a desorientação desvelavam a alma.

Talvez seja esse o sentido profundo da placa oculta pela urtiga, onde se lê “BINAH”. Abaixo do solo, Dionísio se comprazia com nosso medo e respondia-lhe levantando a taça opulenta de vinho doce e rubro, nos convidando à Compreensão. Bebam o vinho sem reservas, caros leitores: eis o que permanece desse mergulho nas entranhas ctônicas da terra e na exuberância verdejante da existência. Isso era o que quase podia ouvir do bosque.

Ao atravessar a confusão do bosque, defrontei-me com o Poço Iniciático — construção de evidente parentesco com o poço da Quinta da Regaleira, em Sintra, Portugal, cuja artesania oferecia a chave para entrever a natureza dos túneis que entrelaçavam o ventre da ilha.

Edificados por Alfredo Magalhães, sob os auspícios do alquimista português Carvalho Monteiro, esses corredores e escadas subterrâneas foram concebidos para oferecer a seus frequentadores uma genuína aventura geográfica e mística, rito de passagem destinado aos que, munidos de inquietação, se atreviam a buscar os mistérios da magia, da arte e da ciência.

Apenas sobreviver a essa jornada conferia ao explorador a possibilidade de alcançar a revelação maior, ascendendo pelas escadarias num estado de transfiguração, com sua vida sendo para sempre marcada pelo que via e aprendia. E lá, no âmago do poço, a inscrição CHOKMAH, estava gravada como senha e destino para os que ousassem a descida.

Quando, porém, me inclinei para descer seus degraus, uma voz maquinal advertiu-me de que aquele trajeto fazia sentido somente do interior ao exterior, e que tentar inverter o curso equivaleria, por tolice ou desatino, a arriscar a sanidade e a mente. Resignei-me, e me impus a disciplina da espera: chegaria ainda o momento de minha própria iniciação e apocalipse.

Foi assim, deixando o poço para trás, que me vi a contemplar o desfecho de minha jornada, naquele ponto elevado que denominaram Mirante da Aurora — em claro contraponto ao mirante vespertino, outrora palco do crepúsculo.

Segui então, sem mais hesitações, vencendo os degraus internos e ascendendo ao cume da torre de observação, e, antes de alcançar o topo, deparei-me com a placa trazendo gravada a palavra KETHER, sinal inequívoco de que ali tocava, enfim, o ponto mais alto de uma compreensão que, sabia, ainda haveria de merecer estudo, reflexão e assimilação, marcada não só na mente, mas sobretudo na carne e no peito.

Ao lançar o olhar sobre a inteireza da ilha, intuí, com clareza súbita, o vasto aspecto de minha aventura — atravessara terras e domara elementos, vencera construções de pedra, madeira e tecido, partilhara da companhia de seres de carne, ferro e pétala, e absorvera, como quem respira fundo após a tempestade, compreensões profundas de poesia, beleza e maravilhamento. Ali dei por encerrada a travessia, apenas para reconhecer, num sorriso íntimo, que todo fim é também prelúdio. Minha verdadeira viagem começava.

Faço, pois, votos de igual sorte a todos vós, caros aventureiros.

Com afeto,
Isaías Caminha

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