12/09/2015 – Bate-Papo Virtual com a Leitora Thinai Gonçalves

ThinaiO Passado, o Presente & o Futuro de Brasiliana Steampunk

Bate-Papo Virtual com a Leitora Thinai Gonçalves

A internet e as redes sociais possibilitam, acima de tudo, conexão. Entre lugares, tempos e, o mais importante, pessoas. Para mim, desde que Lição de Anatomia foi publicado, há quase um ano, uma das melhores surpresas tem sido a resposta de leitores & leitoras aos cenários de Porto Alegre dos Amantes, aos heróis que integram o Parthenon Místico ou o casal de protagonistas do romance: o temível doutor do título e a escritora feminista Beatriz de Almeida & Souza, que também responde pela alcunha de Dante D’Augustine.

Há também histórias engraçadas sobre leitores estarem no metrô ou no ônibus ou em outros contextos – como fila do banco! – e encontrarem outros leitores lendo O Alienista de Machado de Assis ou O Cortiço de Aluísio de Azevedo, produzindo assim um diálogo mesmo que indireto entre o Simão Bacamarte ou a Rita Baiana de Brasiliana Steampunk. Ou ainda sobre ganharem o livro das namoradas que terminaram de ler antes deles ou de pais comprando o romance para seus filhos – que eu espero, não tenham menos de dez anos – e o devorarem em dois dias e depois guardarem o livro até que seus filhos cresçam um pouco mais ou então de filhas e pais – nas faixas etárias de quarenta e setenta anos – lendo o romance e adorando, seja a história de suspense ou ainda o mosaico narrativo. Isso para não citar aqueles ou aquelas que reclamam que seu exemplar veio com defeito, visto que as páginas 223 e 225 estão com um erro de impressão. Não consigo não conter um sorriso.

E esses relatos, elogios, confissões e reclamações não chegam por telefone ou mensagem de celular ou por carta da editora ou fax – hã?! – e sim pelas deliciosas caixinhas de mensagem das redes sociais, tanto em meu perfil quanto na página de Brasiliana Steampunk. Como disse antes, conexão.

Pra um autor, não há nada mais importante do que obter a resposta de seus leitores, e não é à toa que nos agradecimentos do livro são a eles que agradeço especialmente, depois de citar os amigos, colegas, parceiros e pessoas especiais que de uma forma ou outra estiveram envolvidas no processo de criação do primeiro volume da série.

Às vezes, entretanto, encontramos leitores um pouquinho mais obsessivos com suas opiniões e um tanto prolixos em seus comentários. Como sou eu mesmo bem obsessivo e insuportavelmente prolixo, aprecio muito esses contatos. Foi o caso da querida Thinai Gonçalves, de Salvador. Depois de me contatar no Facebook, trocamos e-mails e então tive o prazer de receber duas cartas – com uma média de mil e tantas palavras cada – sobre suas impressões do livro.

Como fiz anteriormente, com a postagem do Diego “Adapak” Henrique, essa nova entrada em meu noitário objetiva responder ao comentário de Thinai. Como fiz anteriormente, deixo o texto dela em negrito e minha resposta logo abaixo, transformando suas duas mensagens num diálogo, uma vez que ela tocou em vários pontos que adoraria discutir sobre os personagens e a própria estória de Lição de Anatomia. Exceto por pequenas edições, segue o texto de Thinai na íntegra. Como podem ver, ambos somos bem prolixos.

Um beijo a ela e um abraço a todos os leitores & leitores de Brasiliana Steampunk.

Sinto-me honrado em conectar a cada um de vocês.

Com carinho,

Enéias Tavares

PARTE I

Olá, Enéias!

Como havia prometido, comentários sobre o livro! (sim, sou a Nai-chan que te adicionou e sim, Thinai é o meu nome mesmo u.u )

Que nome legal! Bem diferente.

Então, primeiro ponto: eu gostei da forma arcaica da escrita! Achei realmente legal, embora tenha ficado indignada por ter que esperar quase uma hora para descobrir o que era uma “litania de epítetos” tendo um dicionário online ao alcance. E “Litania”, você realmente gosta dessa palavra, não é? Das palavras menos usuais, essa é a que mais se repete. (E “efebo” também. Gosto dessa palavra. “Jovens Efebos”).  E tinha muito tempo que um livro não me fazia ficar com um dicionário (online) aberto. Até dá para compreender o significado da grande maioria das palavras pelo contexto, mas gosto de olhar o que significa exatamente. Embora concorde que o entendimento é mais importante que o significado em si. Tipo “Coquete”. Você usa sempre para se referir a prostitutas, não?! Mas pelo dicionário não é exatamente isso, mas de boas.

Uma das coisas que mais valorizo, Thinai, é o cuidado com o vocabulário. Há um desafio em não soar hermético ou pretensioso, o que consigo ora sim ora não. Mas como Brasiliana Steampunk é também esse elogio ao passado e ao vocabulário dos nossos romancistas, achei importante investir nisso. E fico feliz que mesmo indo ao dicionário, tu não tenha desistido da leitura, o que muitas vezes ocorre quando tropeçamos em algum termo desconhecido.

Eu já falei pelo facebook o quanto gostei do seu livro e que o indiquei para um monte de gente, não é?! Ultimamente tenho tido dificuldade para me prender a um livro devido a estava mental ( e ficar no scroll do facebook ou assistindo hora da aventura parece TÃO mais fácil u.u ), mas estou conseguindo ler o seu bem rápido! Apesar da linguagem, estava sendo uma leitura leve e tranquila no inicio. E confesso que em algumas partes até fiquei “Ok, cadê a ação mesmo? A história de fato?” Aí chegou na parte do Alienista e eu fiquei WOW!!!! A leitura ficou menos “leve” e mais tensa, mas li ainda mais rápido! PQP! Foi um dos momentos em que quis entrar no livro para dar um tiro na cabeça de um personagem. Li O Alienista há 8 anos, se não me engano, e lembro de pouquíssimas coisas, mas isso não fez muita diferença. Fiquei torcendo para o Louison matá-lo de alguma forma cruel logo.

Alguns leitores, querida, tem reclamado que acham a primeira parte de Lição de Anatomia um pouco lenta. E penso que Isaías Caminha é sim um narrador desafiador, apesar de eu adorar o estilo decadentista de Lima Barreto. Mas queria também provocar esse impacto: uma relativa lentidão na primeira parte – necessária para descrever o universo da série – para então mergulhar na loucura absurda do Simão Bacamarte e sua reforma do Asilo São Pedro para Criminosos Insanos e Histéricas Descontroladas. Quanto ao próprio Simão, concordo: é um dos personagens mais odientos do livro, uma vez que representa tudo o que deu errado no início do século passado, com seu discurso preconceituoso, moralista, misógino e cientificista.

A propósito, eu sabia que o Louison não era bem um “vilão”. Comecei a ler, a ver toda a “litania de epítetos” dirigida a ele e fiquei “Hummm…. Não teria graça ele ser um psicopata simples.” Aí o Isaías viu a gravação da palestra dele e ficou embasbacado. Todo encantado pelo Louison e pensei “Certo. Ele pode ter cometido esses crimes, mas há algo por trás disso. Ou então eu jogo o livro pela janela!”. Aí o Brito falou que as vítimas eram pessoas “não muito bondosas” e vi que ali teria mesmo um motivo. Não terminei ainda o livro, mas tenho uma forte teoria sobre isso. Depois conto se acertei.

Sobre esse ponto, Thinai, vou tentar editar nossa conversa pra não dar spoiler aos leitores que porventura não tenham lido o romance, cuidado que manterei ao menos na primeira parte desta conversa. Mas uma coisa importante: apesar do romance brincar com os estereótipos do vilão, do herói, da dama fatal, etc, queria justamente partir desses elementos para chegar a tons e sobretons psicológicos que resultassem complexos. A ideia seria justamente contrariar a acepção comum de que Louison seria um monstro assassino psicótico ao revelar, pouco a pouco, as motivações de seus “crimes”. Até aqui, tuas suposições estão certas.

E voltando ao Simão… Eu achei MUITO BOM o fato de ter a narração dele em primeira pessoa. Porque aí ele não ficou como um personagem que faz maldades à toa. Mostrou que ele realmente acredita estar fazendo o bem. E o pior/melhor é que ia mostrando a fé dele em ser um verdadeiro salvador da humanidade enquanto mostrava o quão absurdo eram os métodos dele. Foi a partir disso que o livro me conquistou mesmo. A despeito de eu querer entrar na história para dar um tiro na cara dele. Mas é… Acho que sou uma leitora masoquista. Gosto de histórias que me angustiam, me deixam agoniada, com raiva, chorando e afins. Vai entender…. E a parte do Simão realmente me agoniou!

Duas coisas legais desse comentário. Minha principal influência é Alan Moore e algo que adoro na obra do mago inglês é o fato dele recusar estereótipos, mesmo ao escrever vilões detestáveis e abjetos. Aprendi isso com ele. Por mais que um personagem cause repulsa e raiva, precisamos fazer um mínimo exercício de alteridade para nos colocar em seu lugar, para tentar ver o mundo a partir de sua ótica. A recusa a esse exercício imaginativo é justamente o que produziu nas décadas posteriores a 1910 o horror dos campos de concentração e dos sistemas ditatoriais. Quando Simão defende a frenologia, por exemplo, ou a experimentação com seres humanos, é àquele registro discursivo e histórico que estou me reportando. E concordo contigo, por mais que tenhamos vilões terríveis à frente – falo dos integrantes da Camarilha da Dor –, Simão é aquele que nos desafia a manter a calma, apesar da “litania” – desculpe, querida, não resisti! – de absurdos pronunciados por ele. Um deles, o suposto perfil psicológico do “Assassinato da Nata”, um texto igualmente cômico e assustador.

Aaaahh outro ponto importante que não posso deixar de mencionar. A descrição que você faz das mulheres. Acho que há um tempo atrás eu nem problematizaria isso tanto, mas assim… Todas as mulheres da história são descritas pelo Isaías como seres sobrenaturais praticamente. Lindas, elegantes, sensuais, misteriosas, gostosas e afins. Isso me faz pensar se o cara já tinha visto alguma mulher antes na vida ou se de repente foi tragada para um mundo onírico ou sei lá o que. Acho muito válido mulheres de personalidade forte na história, mas tentando explicar melhor o meu ponto… Recentemente uma amiga me mostrou um quadrinho que ela fez, onde um homem vai atrás de um ser mitológico e fica, inicialmente, decepcionado ao achar que o ser tinha uma aparência de uma mulher comum, pois esperava algo grandioso e surreal devido as histórias que escutava sobre ela, de homens que haviam morrido e matado por ela. E a mulher fala que ela é tão comum quanto as mulheres humanas, e que os homens se apaixonam justamente por “mulheres comuns”. E ao longo da história, o rapaz vai vendo o que há de excepcional dentro da “normalidade” daquele ser e acaba se apaixonando por ela também. Então meu ponto é que: ok, é ficção, ela precisa ser interessante para prender as pessoas, mas ao que tange relacionamentos é sempre surreal até quando devia ser comum.  Porque a mulher precisa ser ou a femme fatale ou a donzela virginal. Em ambos os casos, com uma beleza surreal. Ou isso ou tem os terríveis casos semelhantes a “Crepúsculo/50 Tons de Cinza” onde a mulher é uma idiota, mas com “um grande potencial que apenas ela não nota” (porque saudades autoestima). E desse contexto surgem os homens surreais lindos, ricos, montados em cavalos brancos e bla, bla bla. Você conhece a trilogia Milenium?! Já tive uma longa discussão com algumas pessoas que achavam um absurdo o Mikail (um dos protagonistas) ficar com tantas mulheres sendo que ele não era lindo e milionário (ignorando a lista de qualidades dele como ser inteligente, gentil, prestativo e afins), bem como no próprio livro alguns personagens criticam aqueles que sentem atração pela Lisbeth (outra protagonista) por ela não ser nem a típica femme fatale e nem a donzela virginal e, olha só, ter o direito até mesmo de sair mal numa foto 3 por 4 de identidade! Então essa é uma critica literária geral, não só para sua história. Queria mesmo ver algo mais “real” no que tange pessoas e relacionamentos. (Porque aí tem gente se casando com personagem de vídeo game porque não achou a mulher ideal e a sociedade fica sem saber o que causou isso U____U ).

Tocaste aqui, Thinai, num dos grandes desafios narrativos que me propus em Brasiliana Steampunk. Tentarei avançar ponto a ponto. Primeiro, Isaías vê as mulheres da história, em especial as damas do Palacete dos Prazeres e Vitória Acauã, desse jeito porque este é o estilo narrativo criado por Lima Barreto em sua história. Nela, há um sujeito chamado Floc – ao qual remeto brevemente em Lição de Anatomia – que se mata justamente porque teve uma visão dessas mulheres assombrosas numa grande festa. Por outro lado, há no romance uma tentativa de não criar personagens femininas frágeis e vitimadas, o que é bem comum em histórias de aventura ou de fantasia. Em minha história, costumo brincar, não há “meninas em perigo” e sim meninos. Por outro lado, fugir dessa tipificação acaba incorrendo em outra simplificação, como bem mencionaste. Se a personagem feminina não for pura então ela é puta (numa gangorra superficial que acabou norteando muita da literatura ocidental produzida nos últimos três mil anos, vide a esposa fiel da Odisseia de um lado e os monstros femininos como Circe de outro). No caso das femme fatales, elas acabam sendo um estereótipo do período retratado no romance e eu quis especialmente aludir a elas, mesmo que tentasse – em especial em personagens como Vitória Acauã e Beatriz – quebrar com esse paradigma. Fiz isso não apenas ao mostrar os efeitos que elas produzem sobre heróis masculinos como também dando voz às angústias e buscas existenciais dessas personagens. De qualquer modo, tentei evitar a objetificação superficial do feminino, apesar do romance aludir a obras e narradores que fazem justamente isso. Quanto às obras que mencionaste, adoro Milenium e acho que a Lisbeth é uma das personagens femininas mais fascinantes que vimos nos últimos anos. Eu a colocaria ao lado da Clarice Starling, de Thomas Harris, certamente. Adorei tua análise desse problema e dialogar contigo me fez repensar outras coisas, sobretudo para o segundo volume da série.

Outro fato que me deixou surpresa/feliz com a história foi a existência de casais homossexuais lá (uma amiga minha decidiu comprar depois de alguns spoilers sobre o Bento e o Sergio XD ). E confesso que quero correr para ler o conto sobre o Bento mais por causa de “Bento e Sergio” do que pela plot em si. O seu livro tem personagens bem variados e isso é muito bom. O preconceito descrito me pareceu bem coerente com a época, mas imagino se você já recebeu comentários negativos a respeito dessas coisas.

Além da representação do feminino, fico muito feliz de tratar da homoafetividade de uma forma tão séria e delicada, buscando esse elemento nas obras aos quais refiro. Algumas pessoas me elogiaram por criar os casais gays da história, o que sempre corrijo: não os criei de forma alguma. Antes, apenas dei continuidade às relações já presentes em O Cortiço, no caso de Pombinha e Léonie e em O Ateneu, no que concerne a Sergio e Bento. E não, felizmente, não recebi crítica alguma sobre esse aspecto do romance, apenas comentários positivos. Espero que o livro alcance um público que possa ver nessa variedade – de orientação e não apenas étnica e social – uma alusão à multiplicidade cultural com a qual todos nós convivemos hoje. Não podemos mais ignorar esse assunto, assim como não podemos mais nos comportar como as gerações passadas no que tange ao feminino e à sua representação ficcional. Apenas quando virmos esses temas sendo tradados com seriedade e respeito na arte e na ficção é que poderemos finalmente avançar em termos sociais e culturais. E adianto: os protagonistas do segundo romance serão Bento e Sergio, além de Vitória, e pretendo aprofundar bem mais essas questões doravante. Sobretudo, porque acredito que literatura seja, tanto para o autor como para o leitor ou leitora, um maravilhoso exercício de alteridade. Se eu conseguir sensibilizar a audiência com o universo de Brasiliana Steampunk para esses temas, ficarei bem feliz.

E quanto ao livro, vou comentar mais assim que terminar de ler (o que significa até sábado, se o trabalho permitir). E pontos externos à escrita:

O site precisa de uma caixa de diálogo mais evidente e e-mails destacados para as pessoas localizarem com mais facilidade.

Concordo. Estamos repensando ele completamente para ficar mais interativo.

Achei legal ter no site espaço para as pessoas mandarem fanarts!

Ficamos no aguardo de mais. Na próxima semana, por exemplo, vamos divulgar quatro artes enviadas pelo leitor Dirceu Santana que ficaram bem legais.

E mil parabéns ao Diego Cunha pelas ilustrações dele!

Olha só, Diego!

E no fim o e-mail não chegou a 5 paginas porque tenho que ir dormir, mas 1.187 palavras bastam por agora!

Até breve (ou até quando conseguir parar para responder tudo isso)

Até daqui a pouco, querida.

PARTE II

Vamos agora ao segundo e-mail enviado pela Thinai. Aos que ainda não leram o romance, recomendo que interrompam a leitura aqui, uma vez que há diversos spoilers para muitos dos mistérios do Volume I de Brasiliana Steampunk. Preparados

Terminei o livro! Disse que ia terminar hoje e consegui! As 14:05, exatamente, então vim escrever o comentário.

Muitos pontos, muitos pontos a comentar. Então vamos lá….

A narrativa de Beatriz. Cara…. Sem dúvida foi a parte que mais me angustiou na história. Eu sempre fico imaginando as cenas enquanto leio, mas na parte onde a família dela é morta fiquei “Não, nope, não quero pensar nisso! Chega!”. E quando Vitória narrou o dia em que Beatriz sai chorando pensei “Pronto, as mortes tem a ver com Beatriz, são por causa dela.” De início pensei que a Quental pudesse ter sido dona da família dela, na época que eram escravos e feito algo brutal a eles, mas foi ainda pior do que tinha imaginado. Mas achei muito bonitinho o depois de tudo isso para ela. Quando assumiu identidade masculina e conheceu Louison. Só essa parte já daria um romance legal (embora eu goste mais da versão que inclua os assassinatos e tudo mais XD ).

A história sobre a criação de uma estória é sempre engraçada. Há muita reflexão e pensamento lógico envolvido em “Lição de Anatomia”. Uma das mais fortes influências do que escrevo é Watchmen, um complexo e instigante mecanismo narrativo e literário, no qual cada fala, imagem ou detalhe, seja visual ou textual, contribui para o seu desenvolvimento. Queria que o romance dialogasse, ao menos em parte, com uma complexidade similar a que Moore empreende em sua obra e penso que a linha temporal “bagunçada”, que o leitor ou leitora vai montando aos poucos consegue fazer isso. Por outro lado, há sempre algumas agradáveis surpresas que fogem desse esforço intelectivo e racional e que, curiosamente, apenas o intensificam. Beatriz exemplifica essas felizes coincidências. Ela foi a personagem que pensei por último. Sua narrativa foi escrita em três dias, na reta final do envio do manuscrito à editora, e mesmo assim é a parte que mais me impacta pela força e por tudo o que ela traz ao romance: o cenário retrofuturista no qual força escrava humana foi substituída por trabalho robótico, a relação afetiva com Louison, o horror envolvendo a Camarilha da Dor, entre outras coisas, como a discussão sobre gênero, feminismo, preconceito e o encanto de se criar histórias. Quanto à estória dela com Louison, em algum momento ela será contada em detalhes, talvez no quinto e último volume da série, que terá os dois e Rita Baiana por protagonistas, entre outros.

A entrevista com Britto. Aí chegamos no capítulo da entrevista… Quando vi que estava tendo uma entrevista, minha ordem de pensamentos enquanto lia foram:

– Será que o entrevistador é o tal jornalista amigo do Isaías?

– Não…. Talvez seja o próprio Isaías já tramando algo com o Pathernon. (aí rolou alguma fala que não lembro bem agora)

– Ok… E SE for o Louison fazendo a entrevista e é por isso que não tem os nomes deles???

E era isso! Ficou bem legal a cena! Todo um ar de clímax e tal. E como assim não narrou o que o Britto viu pela luneta??? Ok, sei que o Louison não era realmente mau, mas ele também não é bom…. Isso deve formar uma imagem bem interessante. ( Em termos de RPG, ele seria Leal e Neutro, creio.) E o discurso final do Louison…. Quando vi o tamanho da fala dele pensei “Puta que pariu! Ele vai ficar um século falando quando quero ver logo o que acontece? Se fosse o Britto manda ele embora só para não ter que ficar escutando isso”.  Mas a fala dele foi legal! Toda a linha de raciocínio dele sobre o que é belo, feio, justo, os efeitos na arte e tal. Essa mesma linha explica vilões tão populares. (O fato de ninguém ligar para o Thor, e o Loki de Tom Hidleston ter um fandom tão grande. Ou o fato do Batman ser feito mais por bons vilões do que pelo heroísmo dele em si).

Que bom que gostaste e que o discurso interminável do Louison – sua “lição” – não te cansou. Apesar de complexo, ele é um dos textos mais fundamentais do romance. É justamente ele que quebra o maniqueísmo dos dois heróis: de um lado o investigador durão e do outro o assassino em série. Queria justamente partir dessa visão monocromática e chegar a uma área cinzenta que borrasse os limites entre o certo e o errado, entre o bem e o mal. Se a quinta parte narrada por Beatriz foi a última a ser escrita, a fala de Louison foi uma das primeiras. Escrevi-a ainda em 2010, quando transformei o conto do ano anterior – que virou o Interlúdio Dramático da versão final – numa noveleta que compreende muito das partes quatro e seis, muito antes dos heróis da literatura brasileira entrarem na história ou mesmo o elemento steampunk. E gosto de termos uma trilha sonora pra este discurso: a peça musical de Mahler, referência sonora que por sua vez alude a uma cena maravilhosa de A Ilha do Medo, de Martin Scorsese.

Final da história. Tudo foi resolvido de maneira satisfatória ao meu ver. Poderia pensar em finais diferentes, mas diferentes, não exatamente melhores. Compreendo que este é um livro, de uma série, como uma pequena parte de um universo enorme, mas… CARA COMO ASSIM??? E O RESTO??? Pensar que só tem mais um conto sobre o Bento me angustia, vendo que tem tantas coisas a mais da série. Espero que venham logo. É como… Assisti Mad Max com meu pai e ele ficou falando que tinha “pontas soltas”, que não pararam para explicar tudo. Eu defendi disso que isso era até bom, porque o mundo independia do protagonista. É um mundo, com mil sociedades diferentes, mil personagens e mil histórias. Você não precisa E NEM DEVE criar algo de interessante apenas se tiver a ver diretamente com o protagonista. Acho que isso deixa as coisas meio artificiais. Então fiquei surpresa com a Senhorinha aparecendo no bordel “do nada” ou as menções do que rolou com cada personagem depois, os mistérios mencionados e tudo mais. Isso faz o leitor querer mais livros da série.

Que bom escutar isso, Thinai. Sinto-me motivado a continuar investindo meu tempo e minha energia em Brasiliana Steampunk, único projeto artístico que prevejo nos próximos dez anos. Para atiçar tua curiosidade, listo abaixo alguns contos que virão à luz nos próximos meses, alguns em coletâneas e outros publicados no próprio site, como fizemos com “Bento Alves & O Assalto ao Templo Positivista (1896)”, conto que mencionaste e que serve de prólogo para o próximo romance: O Parthenon Místico. De Solfieri, teremos os contos “Solfieri de Azevedo & O Espectro do Casarão Sombrio (1877)” e “Solfieri de Azevedo & A Taverna dos Enforcados (1901)”, bem como a noveleta Orquídeas & Castiçais (1855), que contará a origem do imortal satanista. Em algum momento, pretendo reunir essas e outras estórias protagonizadas por Solfieri numa coletânea de horror que se chamará Contos de Taverna. De Vitória, teremos os contos “Vitória Acauã &A Maldição do Arroio Itaimbé (1900)” e “Vitória Acauã & os Súcubos do Inferno (1904)”. Há um spin-off de Lição de Anatomia, uma novela em duas partes intitulada Contos Mal Vistos & Retratos Mal Ditos (1909-1911). Pelas datas, é possível perceber que estou trabalhando com uma linha do tempo bem instigante. Sobre Senhorinha, posso adiantar que saberemos mais dela no quarto volume da série, que será dedicado ao Palacete dos Prazeres. Por fim, há também uma história em quadrinhos que se passará em 1906 e que fará parte de uma série dedicada às aventuras do Parthenon Místico. Esta primeira se intitulará “Um Encontro com a Morte na Mansão dos Encantos”.

O protagonista. E vamos a esse ponto…. Sinceramente achei o Isaías penas “Ok”. Na verdade não sei se da para dizer que ele é o protagonista mesmo. Ele é o cara que acompanha o desenrolar dos fatos como novidade, então o leitor passa a descobrir coisas junto a ele. Eu até entendo a existência de personagens assim (tipo Harry Potter descobrindo um mundo mágico e o mostrando ao leitor), mas em meio a tantos personagens interessantes, cheio de histórias, conhecimentos e afins, o Isaias pareceu quase um desperdício. Imagino que uma versão dele 10 anos depois de ter entrado para o Pathernon seria infinitamente melhor, mas…. “ok”…

Acho que nenhum herói de Lição de Anatomia recebeu tantas críticas quanto Isaías. Tens toda a razão: ele é nossa porta de acesso ao universo de Porto Alegre dos Amantes e seu estilo descritivo detalhado objetiva criar o cenário de forma vívida. Não teremos mais isso nos volumes seguintes, uma vez que já cumpri esse objetivo. Quanto ao seu desenvolvimento, ele será, ao lado de Vitória, o protagonista de A Goela do Diabo, título provisório do terceiro volume, e posso adiantar que haverá várias surpresas sobre ele. Em resumo, trata-se de um herói que crescerá muito e que substituirá a postura mais passiva vista até aqui por um heroísmo e por uma impetuosidade nada circunstanciais. Ao menos, é o que espero. De qualquer modo, sua crítica está anotada.

Solfieri. E de todos os personagens não trabalhados no livro, o Solfieri foi o que mais senti falta. Pelo pouco mostrado dele, digo que teria potencial para ser meu personagem favorito, mas acho injusto nomeá-lo assim, tendo pouco conhecimento a respeito. Leve em conta que meu livro favorito é O Vampiro Armand, de Anne Rice. Não sei se conhece, mas fala sobre um garoto que lá pelo século XIV, XV, é sequestrado, arrastado a um prostíbulo, quase morre e então é resgatado por um vampiro e depois transformado. E olha só??? Ele tinha cerca de 16 anos também (embora a versão do Antônio Bandeiras dele parece mais ter uns 30 =.= ). E eu estava quase imaginando o Solfieri já com cabelos compridos e acaju… Eu fiquei realmente muito, muito, muito curiosa sobre ele. Sobre o tal pacto com o demônio, o fato dele só sair a noite e tal. Fiquei imaginando se ele seria um vampiro ou não, mas ele se alimenta, bebe vinho e fuma, então não sei… Mas realmente queria saber.

Se eu conheço, Thinai ? Há tanto de Anne Rice na minha literatura quanto de Alan Moore. Nenhuma escritora teve um impacto tão grande sobre minha adolescência e vida adulta quanto ela. Os jogos de perspectiva que estou buscando desenvolver na série são remissão direta às Crônicas Vampirescas. Adorei que relacionaste o Solfieri com o Armand. Eu não tinha pensado nisso. Mas vou pensar a partir daqui. Quanto a vampiros, ainda não decidi se eles existem no universo de Brasiliana Steampunk. Penso que não. Mas de qualquer modo, fui convidado a escrever um conto para uma futura coletânea da Editora Estronho cuja temática será Vampiros Steampunks, sob organização do grande amigo e também escritor Bruno Matangrano. Este conto será protagonizado por Solfieri, então veremos o que vai acontecer. Como podes perceber, haverá muito deste misterioso e charmoso imortal pela frente.

Sergio e Bento. Eu li o Ateneu em… 2006, por causa do colégio e pouco me lembro do livro, além de mal tê-lo começado, olhar para o Sergio e pensar “Gay”. (opinião que compartilhava com uma colega de classe também). Histórias de meninos vivendo em colégios internos tendem a propiciar esse tipo de coisa/imaginação. Mas resumindo: melhor casal. Pelo menos não saem matando as pessoas XD. Agora é ler a história do Bento.

Como disse, eles serão, ao lado da jovem Vitória Acauã, os protagonistas do segundo volume da série. Basicamente, o plot envolve a chegada de Sergio Pompeu a Porto Alegre dos Amantes – depois de ler a carta escrita por Bento em “Bento Alves & O Assalto ao Templo Positivista” – e contatando o Parthenon Místico. O conflito desse romance estará no ataque da terrível Ordem Positivista gaúcha aos heróis depois dos eventos narrados no conto supracitado. Estou resumindo esse novo enredo à seguinte informação: Jorge Luis Borges encontra Doctor Who!

Bacamarte. Melhor vilão! Foi ele o primeiro a me prender ao livro como disse antes. 

Concordo inteiramente! E é engraçado o quanto ele deu pouco trabalho em termos de escrita. É quase como se nós, enquanto brasileiros, estivéssemos todos contaminados pela ironia de Machado de Assis. E foi bom, depois do impressionismo sentimental de Caminha, mergulhar na perfídia de Bacamarte, apesar dos horrores por ele perpetrados serem tão medonhos e ainda ocorrerem em muitos hospícios brasileiros, vide o pavoroso livro O Holocausto Brasileiro, de Daniela Arbex, livro que li enquanto escrevia o romance.

A Camarilha da Dor. Me fizeram ter vontade de voltar a jogar os RPGs de Terror, tipo Vampiro a máscara, ao mesmo tempo em que embrulharam meu estômago.  E ainda sim, eu, em meu masoquismo literário, cheguei a desejar que houvesse mais umas 100 páginas no livro, só sobre relatos deles, como formaram o grupo, vítimas e a visão deles no momento da morte. Teria sido muito bom, e acabaria dando um ar mais sombrio ao livro. (aí viraria terror mesmo, além do gênero de fantasia steampunk)

Então… não sei se teremos mais da Camarilha, fora a participação ocasional de um ou outro personagem em contos futuros. Sei, por exemplo, que um deles será visto no segundo volume, que se passa em 1896. Trata-se de Henrique Pontes, um dos integrantes da Ordem Positivista. Do resto, também para mim eles são um terror absoluto, não sendo personagens que revisito com prazer. A primeira parte da noveleta Contos Mal Vistos & Retratos Mal Ditos é dedicada a eles e esclarecerá algumas coisas sobre a relação de Louison com suas “vítimas”.

Vitória. Não sei bem o que pensar dela, na verdade. Fiquei indiferente e devo permanecer assim até ler a história dela de fato. É uma boa personagem, gosto mais dela do que do Isaías mas definirei opiniões depois.

Vitória é uma esfinge, aos olhos dos outros e de si própria. Trata-se da personagem feminina mais forte do romance, exceto por Beatriz talvez, mas que está enfrentando o mais perigoso dos caminhos: o do auto-conhecimento. Ela sofreu muito desde criança e tem, por sua mediunidade, um conhecimento do mundo e do que há além dele que vem sempre carregado de melancolia e certo desespero. Por outro lado, trata-se de uma mulher apaixonada pela aventura e pela noite, mas que chegou a um beco sem saída psicológico, sendo que sua fuga no final de Lição de Anatomia revela isso. O que estou planejando pra ela nos volumes II e III de Brasiliana Steampunk, que se passam respectivamente antes e depois do primeiro livro, responderá muitas das perguntas sobre ela. Ao mesmo tempo, formulará outras, como se deve esperar de toda e qualquer esfinge: mais interrogações do que conclusões. Mas isso não é verdade no caso de cada um de nós também?

Sobre o Louison. Ele foi o que eu esperava que eu fosse. Nem herói, nem vilão, e tornou a historia interessante. Mais uma vez fiquei com a sensação de que era um personagem a ser mais explorado, incluindo o passado e as aventuras dele, que ele menciona, mas não conta. Numa escala, gostei dele mais do que Vitória XD.

Ele é meu Hannibal Lecter, obviamente. Mas mais do que isso. Louison é muito do que eu admiro, respeito, valorizo. Quisera eu ter a sua sobriedade e a elegância, sobretudo em momentos de conflito. Estou neste momento trabalhando em ideias para Os Anos de Aprendizado de Antoine Louison, novela que pretendo publicar na forma de uma noitário virtual ou algo assim. Esta compreenderá a infância do temível doutor, sua formação em Coimbra, sua relação com Solfieri de Azevedo e o primeiro contato com Dante D’Augustine, bem como a formação do Parthenon Místico. O título e a estória dessa novela referenciam o Wilhelm Meister de Goethe e o Vampiro Lestat de Anne Rice, este próprio uma releitura da obra do poeta germânico. Não teremos Louison fugindo de casa para virar um ator ou o jovem herói enfrentando uma alcateia de lobos, mas teremos outras aventuras que incluem exorcismos rituais e o confronto com uma pantera amazônica.

Então, como já havia comentados tantos outros pontos do livro, por hora é isso. Irei iniciar mais uma maratona de dias fora de casa, então só devo conseguir ler a parte do Bento lá por quarta-feira, mas assim que fizer, prometo outro comentários enorme a respeito também.

E eu, Thinai, vou ficar muito feliz em te responder.

Mais uma vez parabéns! O livro ficou realmente bom. Esse final de semana mesmo já devo me despedir dele para emprestá-lo a uma amiga (falei do livro no mini-grupo de steampunk do qual faço parte, então já viu, ne?! ).

Muito obrigado pelas tuas palavras. Foram atenciosas e carinhosas. Adorei o fato de teres de envolvido assim com os heróis e heroínas de Brasiliana Steampunk, uma vez que não é diferente por aqui. Adoro-os todos e por isso não tenho dúvidas sobre o quanto desejo conviver com eles nos próximos anos. Quanto à indicação, te agradeço. É do sucesso desse primeiro volume que também depende os planos doidos descritos acima.

Sendo assim, até breve! 

Até, querida amiga.

Thinai Gonçalves

Com carinho,

Enéias Tavares

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