07/01/2014 – A criação de Lição de Anatomia – Parte III

 

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A Estrutura do Romance e a Linguagem dos Heróis da Literatura Brasileira

Tendo estabelecido a ideia principal e os elementos que desejava para a narrativa, todos mais ou menos presentes no “Argumento”, entre dezembro de 2013 e abril de 2014 mergulhei na escrita do texto que se tornaria “A Lição de Anatomia do Temível Dr. Louison”.

Deixei o que tinha pronto de lado, torcendo para que, talvez, em algum momento eu pudesse utilizar alguns dos textos que produzira anos, fosse o conto de Louison ou a noveleta que tratava do diálogo entre o herói e o investigador.

Para estipular as principais metas, parti do princípio de que as duas primeiras partes – Jornalistas & Monstros e Alienados & Alienistas – seriam escritas pelos dois personagens que haviam guiado minhas ideias até então: Isaías Caminha e Simão Bacamarte.

Caminha seria nosso guia ao entrar no universo de Brasiliana Steampunk, uma vez que é um estrangeiro e um narrador detalhista e metódico no modo como relata suas experiências e o mundo ao seu redor. Por outro, lado, Simão seria mais fragmentado e rápido, mais interessado na loucura dos eventos do que na descrição de cômodos ou cenários.

A terceira parte – Aventureiros Místicos & Cafetinas de Luxo – seria a mais desafiadora, uma vez que o escopo de cartas, diários, recibos e mensagens eram muito maior. Se tive imenso trabalho em detalhar a linguagem de Caminha e Bacamarte nas primeiras partes, nela o esforço seria criar uma variedade tonal que perpassasse a linguagem administrativa de Léonie, o discurso sedutor de Pombinha, a fala mais oral de Pombinha, os diálogos amorosos de Sergio e Bento, os conselhos rápidos de Benignus, as dúvidas existências de Vitória e o retorno de Caminha, que agora penetrava nos mistérios do Parthenon Místico.

Acho que de todas, a terceira parte foi a que mais recebeu revisões. Sob um certo aspecto, ainda trata-se da parte da narrativa que menos me satisfez, apesar de ter apreciado muitos dos seus resultados. Penso que os próximos romances servirão também para dar mais espaços a personagens que, apesar de coadjuvantes em “Lição de Anatomia”, mereceriam maior destaque. E aqui falo tanto dos aventureiros do Parthenon Místico quanto das damas do Palacete dos Prazeres, personagens que respectivamente serão os protagonistas do segundo e do quarto volume da série.

(Isso, claro, que se os leitores estiverem interessados neles e a editora concordar em continuar investindo nos planos absurdos e delirantes deste escritor principiante.)

Quanto à segunda metade do romance, ela foi uma consequência lógica do que o enredo pedia. Se as primeiras três partes fizeram muitas perguntas, as últimas três iriam respondê-las. Senão todas, as principais. Uma das partes seria narrada por Pedro Britto Cândido. Outra por Beatriz. E a última por Louison.

Aqui, retornei, em algumas passagens ao que já havia escrito anos antes. Assim, na versão final do romance, o conto de 2009 virou o “Interlúdio Dramático” e a noveleta de 2010 deu origem a algumas passagens das partes quatro e seis – Investigadores & Investigados e Assassinos Sórdidos & Heróis Improváveis –, narradas justamente pelo investigador e pelo assassino procurado.

A quinta parte – Homens Escravos & Mulheres Livres – é inédita e foi escrita num intervalo de dois dias. Curiosamente, considero-o uma das passagens mais intensas do romance. Nela, pude tratar não apenas de escravidão, violência, paixão e vingança, como de problemas que dizem respeito à opressão do feminino no século 19. Para fechar, teria novamente Caminha escrevendo a Conclusão do drama. Aquele que nos introduzira aos moradores de Porto Alegre dos Amantes seria também aquele que nos ajudaria a dar adeus àquele mundo e aos seus exóticos habitantes.

Do ponto de vista da narrativa, agradaram-me as várias vozes que cada um dos personagens assumiu. Acreditava que se o romance não fosse entediante de se escrever, não seria entediante de se ler. Apostei nessa variedade pensando que para o leitor seria um exercício interessante se adaptar a essas diferentes perspectivas, muitas delas até mesmo antagônicas ou paradoxais. É interessante contrastar, por exemplo, a visão que Bacamarte tem de si próprio com o modo como todos os outros heróis o veem: como o lunático que, tragicamente, é o responsável pela casa de loucos.

Outro desafio interessante, a meu ver, estarei na construção temporal do romance. A primeira parte se passaria em quatro dias, a segunda em quatro anos e a terceira em quase uma década, deixando às últimas três partes a resolução do mistério ocorrendo em poucas horas, apesar de remeter a acontecimentos de anos. Tal construção me animou muito, pois pensei que se fosse um problema dos infernos montar um tal quebra-cabeça o leitor poderia ter uma experiência similar enquanto acompanhasse a narrativa.

Para dar conta desse problema em termos práticos, a primeira coisa que fiz foi colar na parede, ao lado do computador, uma imensa folha A2 na qual coloquei todos esses eventos na ordem cronológica tradicional. Até semanas antes da publicação de “Lição de Anatomia”, estava eu revisando essa cronologia louca, morrendo de medo de ter cometido algum equívoco ou erro.

E obviamente, havia também o medo de que nada daquilo funcionasse para o leitor.

Felizmente, parece que tais experimentações não os têm afugentado.

Desde o início, Brasiliana Steampunk foi uma grande aposta de todos os envolvidos. De minha parte, uma aposta na narrativa e na forma de se contar uma história de modo pouco convencional. Ademais, uma aposta na pertinência e na importância dos grandes heróis da literatura brasileira na contemporaneidade. Ademais, uma aposta da Casa da Palavra/LeYa não apenas em escolhê-la como obra vencedora do concurso “A Fantasy quer o seu mundo” como também na própria publicação. Por fim, uma aposta dos leitores que tem dedicado horas de seu tempo à sua leitura. Espero que para todos os envolvidos, o romance compense o esforço. Para mim, tem compensado.

E muito.

O restante da história da criação do primeiro volume de Brasiliana Steampunk será narrado na próxima postagem, que tratará da confecção da capa e da diagramação de “Lição de Anatomia”.

 

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